Eficácia batismal e a tradição reformada: o passado, o presente e o futuro. — PARTE 1

Derek Kempa
9 min readJun 11, 2024

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Tradução de Derek R. Kempa desse artigo.

Essa é a parte 1 do artigo, no futuro partes posteriores serão traduzidas e postadas.

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Por Rich Lusk.

NOSSA HERANÇA REFORMADA

Quando um cristão reformado ouve a expressão “regeneração batismal”, o que lhe vem a mente? “Heresia!”, provavelmente. Infelizmente, muitos na comunidade reformada hoje se desvencilharam de alguns pontos importantes de sua própria tradição. Se a teologia reformada deve continuar se reformando de acordo com as Escrituras, então certamente devemos recuperar as riquezas esquecidas do entendimento reformado clássico sobre o batismo. Hoje, o batismo geralmente é tratado como um símbolo de compromisso pessoal ao Senhor, ou simplesmente como um símbolo das bênção espirituais que são recebidas de maneira independente aos meios tangíveis de graça. O batismo infantil, nessa visão, não confere nada de real significado e é somente um tipo de ato de “dedicação molhada”. Mas, essa não é a forma como os cristãos reformados sempre entenderam o batismo.

Os primeiros reformados mantinham uma visão robusta dos sacramentos. Uma olhada “por cima” nos escritos do século 16 e 17 revelam o quanto nos distanciamos da fé de nossos pais[1]. No catecismo de Calvino Estrasburgo, ele pergunta ao estudante “Como você sabe que você é realmente um filho de Deus assim como no nome?” A resposta é “por que eu sou batizado no nome de Deus o Pai, e do Filho e do Espírito Santo”. No seu catecismo de Genebra, ele pergunta, “O batismo é nada mais que o simples símbolo [ou figura] da lavagem [espiritual]?” A resposta: “Eu acredito que é um símbolo em que a realidade está anexada a ele. Por que Deus não nos engana quando ele promete seus dons. Portanto, tanto perdão dos pecados e novidade de vida são certamente oferecidos e recebidos por nós no batismo”. Logo no início de sua discussão sobre o batismo nas Institutas, Calvino afirma, “Devemos perceber que seja qual for o tempo em que fomos batizados, nós somos de uma vez para sempre limpos e purificados por nossa vida toda. Dessa forma, logo que caímos, devemos trazer em memória nosso batismo e fortalecer nossa mente com isso, para que possamos ser sempre certos e confiantes do perdão dos pecados”. Em outras palavras, Calvino poderia dizer assim: “Vocês sabem que são renovados e perdoados por que foram batizados”. Em outro lugar, Calvino escreve, “É algo sem controvérsia, que somos colocados em Cristo no batismo, e que fomos batizados nesse mesmo sentido, para que possamos ser um com Ele”[2]. Martin Bucer, o mentor de Calvino, escreveu o seguinte em sua liturgia de 1537 para o batismo infantil: “Deus poderoso, Pai celestial, damos a Ti eternos louvores e gratidões, pois o Senhor garantiu e aplicou sobre essa criança a sua comunhão, que tu a fizestes nascer de novo para Ti através do Santo Batismo, e que foi incorporada em seu amado Filho, nosso único salvador, e agora este é sua Filho e sua herança…” Essa oração deveria ser oferecida imediatamente depois do batismo da criança e claramente expressa a convicção de que Deus agiu de maneira poderosa e salvadora no rito da água. No mesmo espírito, a liturgia reformada francesa continha essas palavras, as quais o pastor falava pra criança recém-batizada: “Pequenino, por você Jesus Cristo veio, lutou e sofreu. Por você ele entrou nas trevas do Getsemani e no terror do calvário; por você, ele chegou a gritar “está consumado”. Por você, Ele ressuscitou da morte e ascendeu aos céus e é de lá que ele intercede por você. Por você, mesmo que não saiba ainda, pequenino, mas por meio disso a Palavra e o Evangelhos se tornam verdades, ‘amamos por que ele nos amou primeiro’”

Se formos para as ilhas britânicas, lá Nicholas Ridley, um reformados inglês martirizado por católicos romanos devido a sua fé, concluiu: “as águas do batismo são sacramentalmente alteradas para serem as fontes da regeneração”. Observe também uma oração do livro de oração comum de Thomas Cranmer que acompanhava o batismo do infante: “Garanta que essa criança agora batizada possa receber a plenitude de sua Graça e se torne um dos seus fiéis e uma crianças eleito por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor … [acontece o batismo]: Vendo agora, querido, que essa criança é regenerada e enxertada no Corpo da Igreja de Cristo, damos graças a Deus por esses benefícios, e em conjunto fazemos nossa oração a ela para que essa criança possa levar a sua vida de acordo com o seu início… nós agradecemos de todo o coração, ó Pai gracioso, pois agradou a ti regenerar essa criança com Seu Espírito Santo, e a receber como seu filho por adoção, e a incorporar em sua Santa Igreja…” Por fim, o gênio anglicano reformado, Richard Hooker: “o batismo tanto declara quanto nos faz cristãos”. “No batismo, além da mão que nos coloca nas águas, é a virtude do Espírito Santo, que trabalha lá, sem mãos, o que foi dado”. Ou seja, Deus não é um simples expectador na cerimônia de batismo, mas seu ator principal [4]

Os documentos confessionais reformados ecoam e cristalizam os sentimentos dos escritos litúrgicos e privados dos teólogos reformados. A segunda confissão Helvétiva ensina que Deus promete nos dar Cristo nos Sacramentos:

“Mas, a coisa principal que Deus propõe em todos os sacramentos e para a qual todos os piedosos de todos os tempos voltam a atenção que outros chamam substância e matéria nos sacramentos é Cristo o Salvador… por quem todos os eleitos são circuncidados não por mãos, pelo Espírito Santo, e são lavados de todos os seus pecados”

Sobre o batismo, a confissão afirma:

“Ser batizado em nome de Cristo é ser arrolado, incluído e recebido na aliança e na família, e assim na herança dos filhos de Deus … ser purificado também da impureza dos pecados, e receber a multiforme graça de Deus para uma vida nova e inocente. O batismo, portanto, retém na memória e renova o grande benefício que Deus dispensou à raça dos mortais. Pois todos nascemos na impureza do pecado e somos filhos da ira. Mas Deus, que é rico em misericórdia, nos purifica gratuitamente dos nossos pecados pelo sangue de seu Filho, e, nele nos adota como seus filhos, e por uma santa aliança nos une a si mesmo e nos enriquece com inúmeros dons, para podermos viver uma nova vida. Todas estas coisas são consignadas pelo batismo. Internamente, somos regenerados, purificados e renovados por Deus mediante o Espírito Santo; e exteriormente recebemos o selo dos maiores dons na água, pela qual são também representados os maiores benefícios, e como que colocados diante dos nossos olhos para serem observados.”

A ideia é clara: ser batizado é ser limpo e regenerado. A confissão escocesa de 1560 de John Knox também é clara:

“E, assim, condenamos inteiramente a vaidade dos que afirmam que os sacramentos não são outra coisa que meros sinais desnudos. Muito ao contrário, cremos seguramente que pelo Batismo somos enxertados em Jesus Cristo, para nos tornarmos participantes de sua justiça, pela qual todos os nossos pecados são cobertos e perdoados;”

O sentido é claro: No batismo, Deus nos une a Cristo de forma que aquilo que é verdadeiro para Ele é verdadeiro agora também para nós. A confissão francesa sustenta o mesmo ponto:

“Nós reconhecemos somente dois Sacramentos comuns a toda Igreja: o Batismo e a Santa Ceia. O Batismo foi-nos dado como testemunho da nossa adoção, por meio do qual nós somos enxertados no corpo de Cristo, a fim de sermos lavados e limpos pelo seu sangue e depois renovados pelo seu Espírito para vivermos uma vida santa no Batismo, Deus nos dá realmente e efetivamente o que neles é representado. Por causa disso, nós conjugamos com os símbolos a verdadeira posse e o gozo do que neles nos é apresentado.

Indo para os padrões de Westminster, nós encontramos uma continuação desse pensamento. Os padrões ensinam que os sacramentos “conferem” graça (CFW 27.3, 28.6), que são “meio efetivos de salvação” (CBW 91), e que eles são necessários (ORDINARIAMENTE) se queremos escapar da ira de Deus e maldição do pecados que merecemos (CFW 85) [5]. O especialista em puritanismo David F. Wright [6] resume:

“ O que dizer da eficácia do batismo de acordo com a confissão de Westminster? Sua afirmação central é clara: “a graça prometida não é somente dada, mas realmente exibida e conferida pelo Espírito Santo’ (28.6). É verdade que uma quantidade de qualificações são colocadas… mas essas qualificações servem, na verdade, somente para sublinhar a clareza da declaração básica, que é dita da seguinte maneira, no capítulo anterior sobre sacramentos no geral… os divinos de Westminster enxergavam o batismo como o instrumento e a ocasião para a Regeneração pelo Espírito, da remissão de pecados, e o enxerto em Cristo (cf. 28.1). A confissão ensina a regeneração batismal” [7]

Muitos presbiterianos hoje focam nos qualificadores da eficácia batismal na confissão, invés de focar na afirmação central dela. Surpreendente, os qualificadoras são muitas vezes entendidos como negando as afirmações claras ali contidas. Mesmo sendo ir além dizer que a confissão ensina necessariamente a regeneração batismal, não há dúvidas que a eficácia batismal está incluída em seus padrões, se determinada pela intenção original de seus autores [8]

Mais evidência que os divinos de Westminster não queriam negar todas as formas de regeneração e justificação batismal é fortalecida quando lemos os escritos deles. A obra fina de Brook Hollifield “The covenant sealed: The development of puritan sacramental theology in Old and New England, 1570-1720”, nos mostra que havia uma certa diversidade na Inglaterra do século 18 e entre os puritanos da Nova Inglaterra quando o assunto era os sacramentos. Mas, entre as várias posições existentes da eficácia batismal, pelo menos dois teólogos notáveis mantinham formas da regeneração/justificação batismal. Ambos participaram da assembleia de Westminster e ambos tinham proeminência entre os reformados, embora tenham chegado a conclusões independetemente um do outro. Cornelius Burges, em seu trabalho de 1620, “The baptismal regeneration of elect infants”, defende fortemente que crianças recebem, no batismo, regeneração inicial e remissão dos pecados. O “primeiro princípio” da vida espiritual então se desenvolve ao longo do crescimento da criança. [9] Samuel Ward “propôs que o batismo regenera infantes” e argumentou que “todos os infantes eram, sem dúvida, justificados pelo batismo” [10]. No entanto, Ward aponta que a graça recebida no batismo era somente provisional e não garantia a salvação final. Aqueles batizados na infância e que não perseveraram na fé perdem seus benefícios e nunca estão na salvação e justificação em um sentido pleno . Para Ward, esses casos de apostasia eram muitas vezes por que faltava para criança “ou país fiéis e cuidados ou um ministro de verdade, ou ambos” [11]

Toda essa revisão não é nem perto exaustiva. Só tocamos a superfície. É verdade que muitas citações acima são qualificadas e com nuances de várias formas diferentes. Essas qualificações são necessárias para prevenir mal entendidos [12]. Mas a afirmação central permanece incontroversa. A tradição reformada, na sua forma pura, unia o batismo instrumentalmente a regeneração a justificação e, assim, ao início da salvação.

Quando o escolasticismo protestante apareceu, especialmente no fim do século 17 e começo do século 18, havia uma grande pressão para enfatizar a graça soberana no lugar da graça mediada sacramentalmente. A teologia reformada tinha que ser “sistematizada” e a teologia sacramental passou a ser colocada em lugares estranhos nos loci teológicos. De fato, B.B. Warfield, um ministro que foi um gigante reformado, afirmou que a Reforma foi uma batalha entre a alta eclesiologia Agostiniana (reivindicada por Roma) e sua teologia predestinacionista (reiniciada por protestantes). Mas, uma leitura pormenorizada de Calvino é outros reformadores magistrais nos mostra que eles queriam ser fiéis a TODO o projeto agostiniano [14]. De fato, Calvino segue Agostinho de perto no assunto de eleição e sacramentos. Então, para mente reformada clássica, a pergunta: “Deus salva ou o batismo salva?” é um dilema falso. Deus salva por meio do batismo; esse é um dos seus instrumentos de salvação, junto com a Palavra e a Eucaristia [15]. Por que temos tanto medo de dizer que Deus usa meios para nos salvar? E por que há esse tipo de preconceito dos sacramentos como meio da graça salvífica? Claro, o batismo também é um sinal. Assim como a pregação são também palavras — símbolos verbais. Se Deus pode salvar por meio de símbolos verbais, por que não também pelos símbolos sacramentais também? Ou por que não todos eles juntos, como a bíblia parece ensinar? [16] Parece que um tendência gnóstica tomou conta de muito do Calvinismo americano. [17] Nós queremos que a salvação de Deus seja imediata, isso é, distanciada de meios e de símbolos. Mas, essa é só uma outra tentava de tirar o cristianismo do âmbito físico — e nos devemos lutar contra isso [18]. Deus opera a salvação por meios materiais humildes: um papel e um livro escrito de tinta, vibrações sonoras vinda da pregacao do pregador, e somente a água, pão e vinho. Esse é o escândalo da fé cristã! Nós não devemos negar isso, mas nos regozijar.

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Derek Kempa

Não sou nada mais que um pecador, buscando ter comunhão com o Deus vivo. Oh! Quanta misericórdia e graça de Deus!