Cristianismo e psicoterapia (PARTE II)

Derek Kempa
7 min readDec 21, 2022

--

DIVAGAÇÃO 1: CURA EMOCIONAL SEM PSICOTERAPIA?

Tá bom, eu disse que nessa segunda parte seriam somente “objeções”. Mas, eu não podia deixar de fora essa questão, e por isso estou colocando aqui logo no início. A pergunta é se é possível haver cura emocional sem psicoterapia. A resposta, COM CERTEZA, é sim! É possível! Mas, vamos com calma. Deus é soberano, inclusive sobre nossas emoções e se ele quiser pode trazer mudança. Há muitos testemunhos de pessoas que melhoraram muito de sintomas depressivos, por exemplo, sem precisar de remédio nem de terapia. Glória a Deus! Também, existem casos de pessoas até com transtornos de personalidades graves que não precisaram desse tipo de intervenção: o evangelho os transformou. Eu gosto sempre de citar, como exemplo, o caso do apologista americano David Wood. Ele tem sociopatia. Antes de se converter, tinha vontade de matar as pessoa, inclusive uma vez quase matou o pai dando marteladas na sua cabeça enquanto ele dormia. Deu um soco na cara do melhor amigo por que não gostou do que ele falou. Roubou. Foi preso. Foi para vários hospitais psiquiátricos. E nada mudou. Até que uma vez uma pessoa falou do evangelho para ele. Ele não aceitou, na verdade foi pesquisar para refutar o evangelista. Resultado: se converteu, e pelo que realta nunca mais teve vontade de matar ninguém nem de fazer mal. Seu comportamento mudou e passou a proteger a pessoas. Hoje é casado e tem filhos.

Parte do testemunho de David Wood

Devemos lembrar também que antes da psicoterapia, não havia psicoterapia! É óbvio! Mas, isso quer dizer que as pessoas precisavam lidar com a vida de outras formas. Os puritanos são bons exemplos de médicos da alma que não usaram psicologia. John Bunyan (o autor de o peregrino), por exemplo, provavelmente lutou contra depressão grave e TOC grave, mas com entendimento completo do evangelho pode achar cura (ver mais aqui). Richard Baxter (outro puritano) também tem livros sobre o assunto. No livro “Fundamentos para o cuidado da alma” de Eric Johnson, o autor mostra de maneira geral como se desenvolveu esse cuidado pela alma na história da igreja. O foco do livro não é esse (mas sim tentar fazer uma psicologia distintamente cristã), mas ele toca nesse assunto em um dos capítulos.

Porém nem tudo era tão fácil assim. Algumas pessoas, e até pregadores (inclusive puritanos) lutavam contra “melancolia” (hoje chamada de depressão) e contra traumas (talvez TEPT — transtorno de estress pós-traumático). Charles Spurgeon, por exemplo, tinha depressão grave e foi influenciado por trauma (uma vez que foi pregar, 8 pessoas morreram no tumulto). Isso durou sua vida toda. Hoje em dia, talvez ele pudesse ter achado cura mais rapidamente. O fato é que Deus trabalha do modo que Ele quer. Ele pode dar cura diretamente. Pode usar outros meios. Mas, SEMPRE, SEMPRE E SEMPRE, Ele quer que as pessoas (apesar de outros meios) usem as verdades bíblicas no processo. Aconselhamento bíblico e leitura bíblica, com certeza, ajudam no processo. Ler comentários bíblicos e o que os puritanos falavam a respeito disso também. Pode ajudar, mas não quer dizer que todas as vezes serão suficientes. Sim, isso é difícil de entender. É um mistério. Mas, a vida cristã é um mistério. A doutrina cristão também. É só mais um mistério para a conta.

UMA DÚVIDA SINCERA.

Vou abrir só mais uma exceção a esse post ser “só” sobre objeções e quero fazer uma pergunta sincera a todos os que ignoram a psicoterapia, que são contra ela e que não veem valor nisso. Vamos imaginar que um autista chegue no consultório de um pastor anti-psicologia. Ele está sofrendo, além de ansiedade e depressão, com problemas de integração social, de saber controlar seus sentimentos e reconhecê-los. Eu não sei qual tipo de orientação o pastor daria. A ansiedade e depressão, provavelmente, são por causa da má-adaptação dessa pesssoa a seu ambiente. Como o pastor vai ajudar o menino com a falta de habilidades sociais? E com a dificuldade de distinguir o que está sentindo? Além de “cura” direta (como de depressão ou ansiedade), a psicoterapia também dá ferramentas para a pessoa se adptar melhor a seu ambiente. Habilidades sociais, emocionais… Quando se joga fora a psicologia, joga-se fora inclusive isso. Mas, não paremos por aqui. Se alguém com superdotação aparecer para o pastor e reclamar de suas “Superexcitabilidades” — sim, superdotação não tem a ver só com inteligência ou QI-, o que o pastor vai fazer? Se um narcisista aparecer, o que o pastor fará? Não tenho respostas certas para essas perguntas, mas aquele que é contra a psicologia precisa tê-las. Só amor e atenção muitas vezes não são suficiente.

Nunca vi material sobre aconselhamento bíblicos das pessoas anti-psicologia que dão uma resposta clara sobre isso. Claro, há diretivas. Mas, elas não são nem de perto o suficiente e não ensinam de maneira completa o que cada tipo de transtorno é ou não é. Aliás, se está jogando fora a psicologia, também está se jogando fora o “diagnóstico” de “depressão” ou “ansiedade”, pois estes fazem parte da psicologia (psicopatologia)

Voltemos as objeções.

OBJEÇÃO 4: O PSICOTERAPEUTA SÓ VAI FICAR DANDO TAPINHAS NAS SUAS COSTAS (E NOS SEUS PECADOS)!

Todas as áreas tem profissionais piores e melhores, e na psicoterapia é mais ou menos assim. Então, realmente existe esse risco, mas esse não é propósito da psicoterapia. Se algum terapeuta faz isso, é ele que está errado. Mas, algumas pessoas pensam que ao entrar num consultório de psicologia e falar de suas problemas o psicoterapeuta vai falar assim: “Como você é uma ótima pessoa! Você é demais! Vá e não desista por que você merece!”. A ideia da psicoterapia não é dar conselhos nem ser diretiva. Normalmente, o terapeuta não vai te dizer “o que fazer” (isso seria aconselhamento) muito menos exaltar o seu ego. Na verdade, ele está mais interessado em como você lida com o mundo, suas emoções e problemas. Como eu já disse na parte I, existem várias correntes dentro da psicologia e se formos para um consultório usando a análise do comportamento, por exemplo, teremos um especialista em comportamento que vai tentar analisar como é sua interação com o ambiente e como o ambiente te altera e tentar te ensinar técnicas e estratégias para vencer esses problemas. Nada de coaching; só ciência.

OBJEÇÃO 5: PSICOLOGIA = COACHING

Falando em coaching, olha ele aí! Será que psicoterapia é coaching? E mais: será que pscioterapia é só uma conversa motivacional? A resposta é não para a duas. Mas, vamos começar de trás para frente. Pode parecer para o leigo que a psicoterapia é “só” uma conversa. Afinal, ali no consultório só tem o cliente e o clínico (sem nenhum equipamento de medição nem nada!), e para o cliente parece que o terapeuta está só “conversando”. E pode parecer mesmo. O problema é quando alguém, que deveria saber mais do assunto, por fazer críticas públicas a psicoterapia e (até) vender um curso mostrando como psicoterapia é má, fala uma coisa dessas. Mas, o fato é que não é nada disso. Usemos como exemplo a análise do comportamento (uma das abordagens da psicologia). O analista do comportamento vai, através do que o cliente diz, tentar criar conexões entre ambiente e respostas (ações) e consequência. E a partir disso vai tentar ensinar técnicas ao cliente a como lidar com esse ambiente. Por exemplo, todos nós sabemos que emoções não são muito controláveis. Pense num rato morto. Nojento, né? Pois é. Uma criança que acabou de nascer não tem nojo vendo a foto de um rato morto. Isso é aprendido. É o chamado condicionamento respondente ou condicionamento clássico (mais aqui). Essa resposta foi automática (a nojeira), você não “escolheu” tê-la, mas ela está ali e aconteceu de verdade. Agora imagine alguém que sofreu um trauma. Essa pessoa tem emoções também, e muito fortes a propósito, relacionadas ao trauma. O que o analista vai tentar fazer é saber onde essas emoções aparecem com mais força (contexto), por que (contigências) e como (suas relações) e guiar o paciente para saber como lidar com essa emoção (que é automática). As vezes se usa, por exemplo, a terapia de exposição, em que o terapeuta ajuda a paciente, de maneira controlada, entrar em contato com o trauma. Depois de um tempo o trauma perde a força. Mas tudo isso é ordenado e deve ser feito com cuidado e técnica. Eis o motivo do psicoterapeuta. Esse é só um exemplo, mas mostra como o que parece (uma conversa), na verdade é (o psicoterapeuta ganhando informações para criar uma estratégia de tratamento).

Agora a primeira objeção. Você acha que isso tem a ver com coaching? Não teve nada relacionado a você se sentir super especial, a melhor pessoa do universo ou simplesmente uma indução a se jogar no problema (com motivação). Nada disso. Aqui foi usado técnica, paciência e ciência.

OBJEÇÃO 6: A PSICOLOGIA COLOCA TODOS OS PROBLEMAS NO SEU CORPO E NUNCA NA SUA RESPONSABILIDADE REAL!

Entendo essa objeção. E, muitas vezes, alguns psicoterapeutas podem ter essa tendência. Tudo vira culpa do ambiente, do inconsciente ou sei lá do que… Na verdade, algumas correntes dentro da psicologia tem essa tendência naturalmente. Mas, nos lembremos de duas coisas. Primeiro, a psicologia é uma ciência nova, então as teorias estão se aperfeiçoando. Não existe muita coisa “fechada”, e a parte “filosófica” de alguma abordagem sempre está sujeita a alterações. E, também, não necessariamente o psicoterapeuta tem que seguir a riscar toda a base filosófica de sua abordagem. Por exemplo, a análise do comportamento está relacionada a um tipo de determinismo de comportamento, de fato. Mas, o psicoterapeuta para ser analista do comportamento não precisa compactuar com isso em todas as suas consequências. Eu não sei se algum psicoterapeuta realmente concorda 100% sempre com sua abordagem (com a visão mais purista dela). E é claro, um psicoterapeuta pode aceitar sua abordagem de maneira só metodologicamente no consultório para fins práticos. Segundo, nem todas as abordagens são deterministas. As humanistas, por exemplo, não são.

OBJEÇÃO 7: A PSICOTERAPIA VAI ACABAR COM A SUA FÉ E/OU VAI TE FAZER PECAR

Das objeções, essa talvez seja a que eu mais concorde, mas somente sob uma condição: se o psicoterapeuta não ter a mesma fé que a sua. O terapeuta pode acabar sugerindo “extravazar” alguma emoção de modo pecaminoso? Pode, se ele não for cristão. Então, é importante que o psicoterapeuta seja cristão. Não por que os cristão são melhores: não, é simplesmente por que ele tem uma moral parecida com a sua e valores alinhados.

Sobre a “perda de fé”, em alguns casos, com terapeuta não-cristão essa tentativa de indução pode acontecer. É claro que não é com todo terapeuta não cristão. Diria com a minoria, mas pelo menos com um psicólogo cristão você terá a certeza que isso não vai acontecer. E claro, muitas vezes algumas pessoas colocam a culpa da apostasia na terapia quando na verdade ela só tem uma origem: uma fé fraca.

As duas maiores objeções vão ficar para a parte três (ansiedade é pecado e a bíblia é suficiente).

--

--

Derek Kempa

Não sou nada mais que um pecador, buscando ter comunhão com o Deus vivo. Oh! Quanta misericórdia e graça de Deus!